domingo, junho 20, 2010

Saramago



"É assim a vida, vai dando com uma mão até que chega o dia em que tira tudo com a outra". E da mesma forma sua vida não foi diferente. Ao que parece, as intermitências cessaram, meu polêmico Saramago. Morte que é morte escolhe o momento certo. Existindo ou não Deus, escrito ou não o evangelho, ensaiada ou não a cegueira, você foi e não foi mais um levado, deixando alguns na tristeza.
Se do lado do corte foi um polêmico escritor, crítico literário, comunista ferrenho, estilo inalcançável; do outro, você conseguiu mesclar a arte ao amargo sabor de dizer o que se diz no fundo de um peito cujo coração vira o capitalismo crescer e a União Soviética cair. Queria muito a "morte parada" nestes momentos. Queria deixá-la de férias e fingir que nada acontece com seu corpo, velho e sedento. Mas como você mesmo disse, da morte precisamos nem que seja para bancar aos cemitérios, hospitais e todos os credos, que se disfarçam na fé dos fiéis e encontram abrigo na casa de taipa dos mais miseráveis guetos.
Os olhos que muitos virão bastante vivos, se fecham para esse mundo e levam a luminosidade e clarividência de um grande homem que, sem medo, criticou, falou e olhou. Olho que enxergou os detalhes e, com malícia, se revoltou. "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara" (Livro dos Conselhos). E Saramago se despediu. Acabou-se sua canção. E, talvez, queimado ele esteja aqui e, ao mesmo tempo, em todos os lugares.

Um comentário:

Taty Hazin disse...

“Ao que parece, as intermitências cessaram (...)” “Existindo ou não Deus, escrito ou não o evangelho, ensaiada ou não a cegueira (...)”
A cada texto fico mais impressionada com tua capacidade de juntar algumas palavras e transparecer um sentimento tão magnífico como o que eu senti quando li “Saramago”.